António Alves de Sousa, escultor português,renasce aqui, 125 anos depois

quarta-feira, 29 de abril de 2009

João Chagas e Alves de Sousa

Embora a investigação sobre o relacionamento entre ambos vá prosseguir por muito tempo, já vos posso transmitir algumas informações seguras. Alves de Sousa não conhecia previamente (à sua chegada a Paris, em 1909) o embaixador João Pinheiro Chagas, nem este aquele. Curiosamente, fazia parte do feitio de ambos uma peculiar desconfiança inicial pelo interlocutor. João Chagas, mais velho (uma geração), e duas vezes primeiro-ministro de Portugal durante a Primeira República (1911 e 1915), alvo de atentado a tiro por um senador da República, João de Freitas numa viagem de comboio Porto-Lisboa em 1915, quando ia precisamente assumir de novo o cargo de Primeiro-Ministro depois da Revolução de 15 de Maio ter destituído o ditador Pimenta de Castro (a ditadura foi a razão de Chagas ter apresentado a sua demissão de Embaixador em Paris no princípio do ano, e regressado a Portugal), o que o fez perder um olho (mais pormenores aqui - blogue "Revista à Antiga Portuguesa" e aqui - ISCCP), é de uma desarmante lucidez nos seus escritos (escreve muito bem, aliás), e isto independentemente da sua ideologia (Anti-germanófilo, Republicano e Pró-Guerra). Raros são os que poupa.É inclemente com a figura e com as ideias de todos aqueles com quem se cruza (foi aliás o que escreveu numa espécie de memórias políticas que lhe valeu o atentado), sejam ou não do seu quadrante político. Não admitia banalidade e pedantismo. À medida que foi prolongando a sua estada em Paris como Ministro de Portugal (embaixador), foi também desenvolvendo uma relação pessoal com Alves de Sousa, que acabou por apadrinhar, convidando-o inúmeras vezes para almoçar ou jantar. Trocaram favores, Alves de Sousa ofereceu-lhe algumas das suas obras e realizou o busto de Madame Chagas, a Maria de João. Comecei a explorar este filão, aliás, quando descobri uma entrada na página 4 no II Volume do Diário de João Chagas (clicar na imagem acima), em que este relata a recepção na Legação no dia 1 de Janeiro de 1915 do, entre outros, "esculptor Alves de Souza". A rotina de João Chagas no dia 1 de Janeiro de cada ano passava sempre pela Recepção ao Corpo Diplomático no Eliseu por parte do Presidente da República francesa, à altura Poincaré, seguida de uma visita ao velho Clemenceau (tão velho que viria a ser novamente primeiro-ministro de França em 1917, com 76 anos) e, finalmente, à Recepção na própria Embaixada de Portugal. Alves de Sousa não se cansava de garantir que o Ministro de Portugal era muito seu amigo, visitando-o amiúde no ateliê do 52 da Rue Vercingètorix, apreciando as suas obras (vai ver várias vezes o Orphée). Mais tarde, quando Alves de Sousa tenta (sem sucesso) ser admitido como professor na sua própria escola, a Accademia de Belas Artes do Porto, e como lhe faltasse um requisito formal essencial (o segundo grau da instrução primária), relata que Chagas lhe teria garantido que, se o Governo não fosse sensível à argumentação (de que a sua educação e desempenho artísitco em Paris dispensava o mencionado requisito formal), se arranjaria uma Portaria qualquer para que o escultor fizesse um exame extraordinário que lhe desse equivalência às habilitações em falta. Alves de Sousa, contudo, nunca viria a conseguir resolver este problema, o que terá sido uma das suas grandes frustrações. É que o escultor Oliveira Ferreira, amigo de infância mas inimigo de estimação dos anos de Paris, e a quem Alves de Sousa não reconhece grandes qualidades pessoais, havia conseguido ser interinamente o regente da cadeira de escultura quando Teixeira Lopes bateu com a porta, em 1916, substituindo o mestre de ambos.

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